À Conversa Com o Futuro – EP2

À Conversa Com o Futuro – EP2

Tempo Leitura 5 min

No 2º episódio de “À Conversa Com o Futuro”, a Liliana Duarte, fundadora da Scientific Junior Valueº, conta-nos a sua experiência e como chegou Project Manager na Johnson & Johnson MedTech na Alemanha.

Scientific Junior Value, Generating Success!

  1. Quem é a Liliana?

Acho que é uma ótima questão para começar, que eu própria nem sei bem como responder. Como tu já disseste, sou a fundadora da Scientific Junior Value, um dos melhores projetos que eu sem dúvida levei a cabo até aos dias de hoje, do qual tenho muito orgulho e a principal razão pela qual estou aqui hoje.

Neste momento vivo na Alemanha, em Hamburgo. Estudei na Universidade de Aveiro, fiz mestrado em Biotecnologia, licenciatura em Bioquímica e após terminar a licenciatura e já durante o mestrado, não gostava da vertente da investigação em si porque tinha aspirações de carreira diferentes. Ainda que tenha adorado a Universidade de Aveiro (quem sabe um dia regresse), o meu objetivo era entrar no mundo empresarial. É isso que me leva hoje em dia a ser product manager na Johnson & Johnson aqui na Alemanha. Isto porque me interessa muito a área do marketing e gestão de produto. Adoro produtos, acho que é isso que para mim faz sentido abraçar no meu dia a dia. Tudo isto para dizer quem sou: sou uma pessoa que realmente se interessa muito por produtos em geral, mas sobretudo pelos da área de saúde. Uma pessoa que também se interessa muito por animais. Adoro gatos, adoro tudo o que sejam animaizinhos de quatro patas, maioritariamente, mas os outros também, nada contra!  Também gosto de praticar diferentes tipos de desporto. Aqui na Alemanha não me enquadro muito no standard desportivo porque, realmente, não tenho aptidão para a maioria dos desportos que eles aqui praticam, mas tento dedicar-me à dança, acho que diz mais daquilo que sou.

  1. Se pudesses ter um superpoder por um dia, qual seria?

É uma ótima questão. Já me coloquei essa questão várias vezes e mudei de opinião à medida que o tempo foi passando. Se analisarmos a situação nos dias de hoje, se eu pudesse escolher seria o teletransporte: estar aqui hoje e poder teletransportar-me para o outro lado do mundo sem perder um minuto da minha vida. E porquê? Porque sinto que o mundo é demasiado grande e tem muita coisa para fazer. Os desafios aos quais eu quero dar resposta estão muito repartidos pelo mundo, por isso seria não perder tempo, não perder dinheiro e poder estar em todo o lado ao mesmo tempo. Esse seria sem dúvida o meu maior sonho.

  1. Se pudesses jantar com qualquer pessoa, viva ou que já tenha falecido, quem seria e o que perguntarias?

Jantaria com o Bill Gates e o que eu perguntaria é como é que ele conseguiu manter a motivação para o seu objetivo ao longo a sua vida.

Claro que ele teve diferentes projetos e diferentes objetivos relacionados a esses projetos, mas há uma parte muito íntegra dele próprio que ele teve de manter ao longo desses anos e o que lhe perguntaria é como o conseguiu.

  1. Se escrevesses uma autobiografia, qual seria o título?

Uma boa questão. O título da minha autobiografia seria “Liliana em constante mudança”, penso que me descreve muito bem.

  1. Preferias explorar o espaço ou o oceano?

Adoro a água e tudo o que se relaciona com ela. Como já fiz formação de scuba diving e tirei a carta de barco a motor, tenho de responder o oceano, simplesmente porque representa mais a minha vida. Mas a curiosidade de saber o que existe no espaço… É difícil fazer uma escolha. Mas escolho o oceano.

  1. Relativamente à carreira no estrangeiro, como descreves a tua experiência e como foi a tua adaptação?

A adaptação não foi muito fácil.

Acho que é preciso separar as coisas numa perspetiva de trabalho e numa perspetiva de cultura. Eu queria ir para a Alemanha em primeiro lugar, queria trabalhar num país diferente de Portugal e ter esta experiência de viver noutro país, porque infelizmente não tive oportunidade de fazer Erasmus+ enquanto estive na universidade, devido a todos os desafios do associativismo e, portanto, vi isto como a única alternativa possível para mim, ainda que tenha sempre a ambição de regressar (a Portugal e à Universidade de Aveiro) um dia.

 Do ponto de vista de trabalho, não foi muito difícil porque a língua oficial da empresa onde trabalhei nos primeiros quatro anos era o inglês, o que tornou a situação muito mais fácil.

O maior desafio foi o trabalho em si, foi o facto de me juntar a uma empresa que estava numa fase muito inicial e, basicamente fui uma das primeiras empregadas, ajudando a co-fundar a empresa. Não havia grande segurança, ou seja, não sabia se a empresa ia durar um mês, um ano ou 10 anos e então era tudo uma grande incógnita, tendo em conta que tinha mudado de país e de emprego, tudo isto se tornou inseguro – o que eu gosto de ver como desafio e acho que me ajudou em tudo aquilo que tenho alcançado nos últimos anos.

  1. Tiveste algum momento decisivo no teu percurso que impactou de alguma forma a tua carreira profissional?

Acho que tive vários momentos decisivos que impactaram a minha carreira profissional.

O primeiro momento começa na universidade, antes de fundar a Scientific Junior Value, em que realmente eu analisava o que existia nos fóruns de emprego da Universidade de Aveiro e as empresas, fazia parte do BEST, uma associação focada para estudantes de engenharia e via tudo o que era feito para determinado tipo de estudantes de umas áreas e tudo o que não era feito para estudantes de áreas como as nossas. Foi este momento de frustração constante, em que eu queria ter contacto com as empresas, mas não tinha forma de o alcançar, pelo menos nas vias que existiam naquela altura na Universidade de Aveiro. Isso foi um marco importante. Foi um momento de desconforto que levou à fundação da Scientific Junior Value.

Outro momento foi enquanto estava a terminar a tese de mestrado e ter estado muito na dúvida: gosto muito da Academia, mas também gosto muito da indústria, o que quero realmente seguir? Então tive ali aquele bichinho até ao momento em que a minha orientadora me perguntou se pretendia candidatar-me a programas doutorais e respondi-lhe muito autenticamente: não! Não pretendo, quero ir trabalhar para a indústria. Acho que foi o momento que tomei a minha decisão.

Depois, claro, ao longo do percurso, normalmente foram sempre momentos de um mix de insegurança, incerteza e insatisfação que levaram sempre a uma mudança. Na empresa onde trabalhei durante quatro anos, trabalhei em vários departamentos e em projetos diferentes.

A mudança tem de ser originada por alguma insatisfação ou desconforto, seja pelos processos da empresa ou por ver que existem outras áreas mais interessantes daquilo que estou a fazer no momento. Houve vários momentos em que questionei o que estava a fazer no momento e o meu futuro profissional.

  1. Consideras fácil conciliar o sucesso profissional com a vida pessoal e saúde mental?

Não, acho que não é nada fácil. É bom que estes temas sejam abordados proativamente.

Tive vários momentos em que me questionei: será que estou à beira de um burnout, será que tenho de fazer aqui alguma mudança? Mas acho que até hoje tive uma boa capacidade de reconhecer e de mudar e de exigir uma mudança.

A minha recente transição, há cerca de seis meses para a Johnson & Johnson foi um dos maiores resultados em que, claramente, ao não ver mudança da outra parte, decidi ser eu a mudar. Tinha uma posição de C level e troquei-a por uma posição de product management.

Na vida temos de saber reconhecer que há limites, temos de encontrar o equilíbrio entre a carreira profissional e a vida pessoal, e o facto de ter estado quatro anos numa empresa em constante crescimento, que começou com menos de 5 empregados e já estava acima de 80 e em que fui uma grande impulsionadora dessa mudança, vi que estava na altura de abrandar um pouco o ritmo.

Se há uma recomendação que posso fazer a esse nível é: oportunidades de carreira vão sempre existir se as procurarmos. Claro que tudo é uma questão de timing, mas é, sobretudo, uma questão de dedicação. O facto de eu me dedicar hoje menos e amanhã mais, não quer dizer que o sucesso que eu poderia ter hoje não terei amanhã de forma igual ou melhor.

Portanto acho que tudo a seu tempo seria a melhor recomendação que poderia dar.

  1. Quais é que são as tuas características que consideras essenciais para o sucesso e reconhecimento do teu trabalho?

A primeira característica é, sem dúvida, ter um objetivo definido. Por exemplo, eu ainda nos dias de hoje tenho duas/três perspectivas de carreira muito distintas. A primeira refere-se à vertente de marketing e gestão de produto, dada a minha paixão pelo produto, desempenhando um papel mais central em tudo aquilo que envolve este ramo, seja do ponto de vista regulamentar, do cliente, do mercado, de competidores. A outra faceta de mim é muito orientada a risco, gosta muito de analisar detalhes, o que é ideal para uma carreira na área regulamentar ou de qualidade, onde também tive oportunidade de trabalhar. Desta forma, se não tivesse definido o meu objetivo seria muito difícil estar onde estou hoje, mas tomei uma decisão sobre o caminho que quero seguir e não mudei de ideias nem contactei empresas para outras áreas, o que também é avaliado pelas empresas, uma vez que estas fazem um cross check de CVs em que facilmente identificam pessoas menos orientadas e que se candidatam a tudo. Portanto, a principal característica é definir o objetivo e ser firme a este, no entanto, não quer dizer que a pessoa não possa mudar, mas pelo menos até ter alguma razão muito forte para mudar não deve ser feito.

Uma outra característica que acaba por estar relacionada com a anterior é a resiliência e a gestão de frustação. Isto é particularmente importante no mercado de trabalho, pois, dando um exemplo da minha experiência, tive de ouvir muitos nãos, principalmente durante uma fase em que me candidatei para vários empregos na Alemanha, em que as minhas candidaturas eram eliminadas porque eu não falava alemão e ainda houve outras em que nunca me foi dada uma resposta de volta. Por isso, é crucial perceber que nestas situações não tem só a ver connosco, mas também com as circunstâncias de mercado, com o facto de que muitas vagas já estão pré-definidas para alguém e, além disso, porque as pessoas que estão na indústria muitas vezes esquecem-se como foi começar e o quão difícil foi e, por essa razão, nalguns momentos o sentimento de entreajuda não existe. É de grande importância reconhecer que existem outros fatores externos a nós que impactam a entrada para o mercado de trabalho e que é fundamental não desistir e ser resiliente, características que me ajudaram e me continuam a ajudar no mundo do trabalho.

  1. Desde 2016 que fazes parte do projeto BEST career day. Podes falar um bocadinho mais sobre este evento?

Apesar de atualmente já não fazer parte desse projeto, ainda fiquei cerca de 2,5/3 anos no BEST, durante a minha licenciatura e mestrado. Foi um dos eventos que mais inspirou a criação da Scientific Junior Value e é dedicado principalmente a estudantes de engenharia. Basicamente, o BEST contacta empresas o que, normalmente, é realizado tanto a nível internacional como a nível local, sendo que existem países mais focados neste evento do que Portugal. O objetivo é contactar empresas e estudantes para uma job fair, definindo os objetivos para que não haja uma mistura demasiado abrangente de muitas áreas e também para evitar que não haja um interesse específico para um tipo específico de áreas. O BEST é, essencialmente, um evento de networking, no qual se encontram em exposição os stands das diferentes empresas, o que permite aos estudantes aparecer e colocar perguntas sobre a empresa, os produtos, os diferentes tipos de posição que estão disponíveis, etc. No fundo, o objetivo deste evento é conectar profissionais e estudantes.

  1. Quais são as metas que ainda desejas alcançar na tua carreira?

É uma ótima questão, contudo, acho que ainda é muito cedo para responder a essa pergunta, dado que alcancei demasiado rápido aquilo que queria alcançar e isso torna difícil ambicionar mais. Desta forma, o meu objetivo neste momento é não ter demasiadas ambições, ou melhor, ter menos ambições do que aquelas que eu tinha antes e, além disso, estabilizar na carreira, uma coisa que nunca fiz até hoje. Por isso, ter o objetivo de abrandar e de equilibrar com a vida pessoal é, sem dúvida, o que mais quero alcançar. No entanto, quem sabe um dia mudar de carreira e dedicar-me a consultoria noutras áreas ou em áreas mais estratégicas de levar produtos para o mercado ou até mesmo criar um negócio próprio é algo que está nas minhas perspectivas futuras.

  1. Falando agora um bocadinho da nossa Júnior, sendo que és a fundadora da Scientific, gostaria de te perguntar o que motivou a iniciar este projeto e em que ponto é que esta agora Júnior Empresa influenciou o teu percurso?

O que me motivou a fundar a Scientific Junior Value foi o facto de me aperceber que determinadas áreas e cursos da universidade tinham um acesso completamente diferente ao tecido empresarial comparativamente às áreas mais científicas, principalmente investigação e saúde. Tendo isto em conta, achei um pouco injusto e comecei a questionar o porquê, qual a razão que está por trás: Será porque é uma indústria mais difícil de atrair? É uma área que não é foco da universidade? Depois encontrando as respostas, entendendo de que forma é que isso pode ser feito então tive a motivação certa para criar a Scientific, sempre com o mote de querer dar oportunidades aos estudantes destas áreas científicas que os estudantes de outras áreas já tinham. No fundo, a principal razão foi aproximar os estudantes das empresas para que aquilo que é apresentado na universidade não sejam só as perspectivas de carreira em investigação, mas também como seguir um caminho na indústria.

A Scientific teve um impacto muito positivo no meu futuro, na medida em que me ajudou a experimentar, a cometer erros, a reformular e a reestruturar para posicionar a Júnior de melhor forma. Todo este processo de aprendizagem e o facto de me mentalizar que se eu não tentar não há nenhum backup, uma alternativa, permitiu o meu crescimento. Além disso, desenvolvi determinadas competências, nomeadamente skills de comunicação, uma vez que o contacto com diferentes tipos de stakeholders, sejam eles professores, pessoas de diferentes cargos de chefia na indústria e até a Câmara Municipal de Aveiro, contribuiu para perceber como é que se comunica de forma diferente para os diferentes targets. Também adquiri outros tipos de competências, por exemplo, negociar com clientes. Em geral, desenvolvi uma vertente vasta de soft skills, que sem a fundação da Scientific não teria desenvolvido e não me tinham dado a confiança que deram para entrar no mercado de trabalho.

  1. Tens alguma dica para dar aos estudantes que estão agora a começar a dar os primeiros passos no mercado de trabalho?

É uma questão muito interessante. Em primeiro lugar, olhar para aquilo que foi feito no passado, ou seja, avaliar quem é que são estes estudantes, dado que eles são muito mais do que um currículo. No CV tendemos muito a escrever aquilo que foi o curso e o que é que aprendemos neste, muito numa ótica de descrição, mas não mencionamos o que foi atingido, isto é, como é que um curso (licenciatura, mestrado) me tornou numa pessoa diferente daquilo que eu era há 3 ou 5 anos atrás, acho que esta é a questão central que eles se devem colocar. É isto que em primeiro lugar devem refletir no currículo, porque este documento é muito importante para garantirem o vosso lugar, uma vez que entre uma candidatura e uma entrevista são eliminados cerca de 80% dos candidatos, o que significa que se o CV não é bom o suficiente então os próximos passos já estão comprometidos. Portanto, a maior dica que eu posso dar é fugir de um CV Europass que só detalha o curso que foi feito, as cadeiras que tiveram e focar mais em refletir em como é que isso vos desenvolveu. Dando um exemplo concreto, durante a realização de uma tese de mestrado durante 1 ano, pensar o que é que eu aprendi com essa tese, o mais importante não são os resultados da investigação, mas sim a resiliência que eu tive de ter para ir para o laboratório dias e dias e ver os resultados após resultados falharem e não desistir, não arrumar as coisas e ir embora e tentar uma nova tese de mestrado o ano seguinte. Falar sobre estas aprendizagens e até projetos de índole familiar ou com amigos, por exemplo, onde a pessoa realmente teve um papel de destaque e referir qual foi esse papel, esta seria a minha melhor recomendação. Acima de tudo, olhar para aquilo que foi feito nos últimos anos, não em termos de eu fiz isto e aquilo, mas sim o que é que isso mudou em mim enquanto pessoa e qual é que é a contribuição que isso vai dar para quando eu ingressar no mercado de trabalho. 

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